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Segmentos triangulados em testes de DNA autossômico: a busca por vários ancestrais em um único match

Há alguns anos, uma nova era na genealogia começou a despontar: a genealogia genética. Ela vai muito além dos documentos. Ela é diferente, dá outra visão de onde viemos e também apresenta um modo diferente de pesquisar os antepassados. Como já dito anteriormente em outros artigos, a genealogia genética usa o nosso DNA para determinar sequências idênticas entre pessoas que têm um ancestral em comum. A partir disso, além de aproximar as origens étnicas de um indivíduo, ela conecta pessoas com passagens iguais de DNA.

Devido ao processo de crossing-over durante a prófase I na meiose, herdamos porções cromossômicas aleatórias, fazendo parte do procedimento de variabilidade genética do ser humano. Você tem probabilidade mais reduzidas de herdar DNA de um ancestral quanto maior a distância das gerações. Os testes normalmente tem uma faixa de segurança de detectar até o pentavô, mas por sorte, você pode herdar pequenos trechos de antepassados acima desta geração citada.

Nem sempre o compartilhamento de DNA total indicado nos testes se refere ao mesmo ancestral comum. Você pode compartilhar segmentos de mais de um ancestral, e isso é possível de ser analisado pelo segmento triangulado no Navegador de Cromossomos da empresa MyHeritage. Há várias ferramentas online que ajudam a analisar triangulações. Cada navegador de cromossomos, em empresas diferentes, apresenta segmentos triangulados de forma diferente. Por exemplo, se você selecionar uma comparação múltipla, pode ser que você veja apenas segmentos triangulados por todas as correspondências. No navegador de cromossomos do MyHeritage os segmentos triangulados são emoldurados. Nunca tinham me atentado para isso, pois todos sabemos o quão difícil é analisar matches com pessoas que não possuem a genealogia documental avançada, principalmente quando os centimorgans compartilhados são pequenos e de baixa fiabilidade.

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Representação esquemática do segmento triangulado no Navegador de Cromossomos no MyHeritage.

Após meses de longas pesquisas consegui elucidar questões de segmentos triangulados e taxas de centimorgans elevadas pela endogamia, justamente por meus estudos anteriores e pelos estudos avançados na minha genealogia documental e de meus primos distantes.

O match abaixo, em questão, foi com meu primo, Jésus Coutinho de Souza. Compartilhamos 26,6 cM sendo o ancestral em comum identificado em maio de 2018: o senhor Lucas Antônio Monteiro de Castro, nascido em 1808 em Congonhas do Campo, Segundo Barão de Congonhas do Campo. Neste caso compartilhamos somente DNA de Lucas Antônio, pois Jésus é descendente do primeiro casamento e eu descendente do segundo casamento do Barão (vide artigo: Genes de um nobre legado).

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O outro match foi com meu outro primo, Lucas Carneiro Mitraud de Carvalho. Compartilhamos 110,4 cM sendo os ancestrais em comum identificados em abril de 2019: o capitão Francisco Rodrigues de Carvalho, nascido em 1783 em Itabira do Campo, e sua esposa Ana Rosa da Cunha, Pedro Pereira Lima e Brízida Maria de Oliveira, sendo o último ancestral em comum o casal José Justiniano Rodrigues da Silva e Maria Dulcinéia da Silva. Neste caso compartilhamos um número de centimorgans para trisavós pela tabela do Projeto Centimorgan (BETTINGER, 2016), mas na verdade temos 4 pentavós em comum e 2 heptavós em comum e isso ocorre devido a endogamia na nossa genealogia (vide artigo: Endogamia, o preço de ter um sangue azul).

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Recorte do Jornal, Diário de Minas de 19 de setembro de 1867, nº 318, ano II. Nesta coluna, de acordo com o artigo 327 do regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842, foram escolhidos 48 jurados por sorteio, em conformidade com o artigo 328, a cumprirem seus mandatos de Juízes Municipais (magistrados, frequentemente sem formação jurídica) nos distritos mineiros. Dois deles são meus avoengos maternos citados anteriormente como ancestrais comuns nos matches. Qual a probabilidade disso acontecer? Lucas Antônio Monteiro de Castro (nº 16), Barão de Congonhas, fazendeiro, nascido em Congonhas do Campo em 1808, foi um dos 20 Juízes Municipais para compor a mesa, na capital Ouro Preto, no ano de 1867. O outro foi o Doutor Francisco Rodrigues de Carvalho (nº36), primeiro médico de Itabira do Campo, herdeiro da Sesmaria da Matta, nascido em Itabira do Campo em 1783 e foi único Juiz Municipal do arraial de São Gonçalo do Bação no ano de 1867. O mais engraçado de tudo é saber que os conterrâneos de época atuaram no mesmo serviço e, 77 anos depois, dois descendentes seus casaram dando origem a minha mãe, no décimo quinto ano de casamento: Afonso Rodrigues de Carvalho, meu avô, é bisneto de Francisco Rodrigues de Carvalho. Maria Aparecida Monteiro Guimarães de Carvalho, minha avó, é bisneta de Lucas Antônio Monteiro de Castro. Coisas da vida, que ninguém explica!

Jésus e Lucas compartilham segmentos de DNA também, de uma outra família da qual não sou descendente. São os Pereira de Azevedo Ruas, e compartilham 154,5 cM, sendo os ancestrais em comum: João do Carmo Pereira e sua esposa Ana Teodolinda de Azevedo Ruas. Esse ramo também possui alto teor de endogamia em seus enlaces, sendo Jésus bisneto e trineto do casal ao mesmo tempo, e Lucas sendo tetraneto duas vezes do mesmo casal.

Juntos, nós temos um segmento triangulado no cromossomo 5 como mostra a figura abaixo, com tamanho de 8,5 centimorgans com 2816 marcadores genéticos, de outro casal ancestral. Com isso, Jésus e eu não herdamos 26,6 cM de Lucas Antônio e sim 18,1 cM em vermelho na porção mais a direita do cromossomo 5 e no cromossomo 1. Lucas e eu não herdamos 110,4 cM dos Rodrigues de Carvalho, e sim 101,9 cM em amarelo nos cromossomos 2, na porção mais a direita do cromossomo 5, no cromossomo 10, 12 e 22. Da mesma forma, Jésus e Lucas não herdaram 154,5 cM dos Pereiras de Azevedo Ruas, e sim 144,6 cM.

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Decidi então analisar com afinco nossa genealogia documental a fim de buscar os donos desse segmento triangulado. Sabia que a origem de alguns antepassados de Jésus era da mesma região que os meus antepassados e de Lucas. Cheguei a pensar em iúmeras hipóteses, mas para a minha surpresa, a conclusão era clara: O segmento triangulado pertencia a família Gomes do Carmo de Itabira do Campo, que chegou em Minas Gerais em meados do século XVIII. Pelo lado materno, Jésus é tetraneto do capitão Luiz Gomes Carmo, e sua descendência possui documentos na região de Itabira do Campo, Vila Rica e Moeda. Bastou uma busca aprofundada pelo Family Search para achar a ligação: Tanto eu quanto Lucas somos heptanetos de Pedro Gomes do Carmo, nascido em São Pedro de Merlim, do couto de Tibães, acerbispado de Braga, Portugal, e de Ana Maria do Rosário, natural de Nossa Senhora da Boa Viagem de Itabira do Campo, Minas Gerais. Por sua vez, Jésus é hexaneto do casal citado.

Abaixo o esquema genealógico completo das nossas ascendências com as devidas legendas indicando qual porção do meu cromossomo é do respectivo ascendente:

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Com os resultados mostrados, podemos afirmar claramente que a genealogia genética sem documentação é mero resultado de exame sem uma cabível interpretação, e a genealogia documental sem genética são fatos sem comprovação. Unir as duas pesquisas nesse cenário atual em que vivermos é de extrema importância para elucidação de muitos percalços genealógicos perdidos no tempo. Até chegarmos num período em que as árvores genealógicas não serão mais árvores propriamente ditas, e sim um cosmo, onde apenas as estrelas e astros mais próximos serão nomeados (LEMOS, 2019), pois tamanho será o banco de dados genéticos lincando os seres humanos entre si. Navegaremos em um outro campo, livre de interpretações ideológicas, com a ciência sempre no comando!

 

“A compreensão humana não é um exame desinteressado, mas recebe infusões da vontade e dos afetos; disso se originam ciências que podem ser chamadas de ciências conforme nossa vontade. Pois um homem acredita mais facilmente no que gostaria que fosse verdade. Assim, ele rejeita coisas difíceis pela impaciência de pesquisar; coisas sensatas, porque diminuem a esperança; as coisas mais profundas da natureza, por superstição; a luz da experiência, por arrogância e orgulho, coisas que não são comumente aceitas, por deferência a opinião do vulgo. Em suma, inúmeras são as maneiras e as vezes imperceptíveis, pelas quais os afetos colorem e contaminam o entendimento”. Trecho do livro Novum Organum”, de Francis Bacon, 1620 (LEMOS, 2019).

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